Eva estava de pé, ao lado da Árvore. As curvas bem desenhadas
do seu corpo e a textura suave de sua pele contrastavam com a forma retorcida e
a aspereza do tronco do vegetal. Adão percebeu, pela primeira vez, que ela era
muito diferente dele próprio. Não era somente a voz delicada, os cabelos
compridos ou o cheiro suave que exalava. Tudo nela parecia diferente, de uma
maneira que ele nunca tinha notado antes. Sentiu um frio na boca do estômago e
um formigamento que percorreu todo o corpo. Aquela era uma sensação nova e ele
ficou confuso e desorientado.
Quando se aproximou, observou que Eva estava comendo um
fruto. Seus lábios grossos abocanhavam a polpa com voracidade. O sumo que
escorria pelo rosto, percorria o pescoço e deixava os seios molhados. Adão
ficou por alguns instantes contemplando aquela cena sem dizer uma palavra. Então,
algo aconteceu. O olhar dela o atingiu e seu corpo instintivamente respondeu ao
estímulo. Ali na relva, à sombra da Árvore, ele a possuiu. Tornaram-se um só
corpo novamente.
Após aquela explosão de desejo e luxúria, permaneceram
deitados na relva, nus e suados, recuperando o ritmo da respiração, que ainda
era ofegante. Adão contemplava o céu profundamente azul de uma tarde
ensolarada. Naquele lugar, todos os dias eram belos. Não havia tristeza. A
chuva banhava a vegetação densa somente por alguns minutos e no restante do
tempo o Sol derramava sua luz e seu calor suavemente sobre o Jardim,
proporcionando a mais bela visão que qualquer ser humano jamais teve da natureza.
- Esta não é a árvore da qual não deveríamos comer? – disse
finalmente Adão, voltando ao estado racional.
- Sim, é esta. – Eva respondeu sem emoção na voz. - A
serpente me disse que não haveria nenhum problema em experimentar um dos
frutos.
- O Guardião do Jardim não pode saber. Seremos punidos. Ele
foi bem claro...
- Não me importo – ela o interrompeu antes que seus lamentos
se tornassem insuportáveis. – Sou livre para fazer o quiser. Foi o que Ele nos
disse.
- Mas esta foi a única coisa que nos pediu para que não
fizéssemos – lamuriou-se Adão mais uma vez.
- Está arrependido? – Ela o encarou com seus expressivos olhos
cor de mel e a boca carnuda entreaberta num sorriso malicioso.
Adão não respondeu. Apenas a beijou como se quisesse
devorá-la, enquanto suas mãos percorriam o corpo, acariciando os seios firmes,
descendo pela barriga e virilha, apertando suas coxas e, finalmente, encontrando
seu sexo úmido e inchado. Ele a possuiu outra e mais outra vez, até não ter
mais energia em seu corpo. Ambos adormeceram com o crepúsculo, entrelaçados sob
a proteção dos galhos frondosos da Árvore da Vida.
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Ocultos na vegetação, a Serpente e o Guardião do Jardim assistiram
à cena em silêncio, pois não ousariam interromper. Eles se encararam por algum
tempo, mas nada disseram até que os amantes adormecessem.
- Eu venci – disse a Serpente, com seu sorriso de triunfo
iluminado pela pálida luz da Lua Crescente.
- Você trapaceou. Não era isso que tínhamos combinado – os
olhos do Guardião do Jardim brilhavam com uma fúria incontida.
- Não seja um mau perdedor. Olhe para eles. – a Serpente
apontou para Adão e Eva adormecidos sob a Árvore. – Estão dormindo como anjos,
após terem feito durante toda a tarde aquilo que você disse que não fariam.
- Você enganou a mulher. Foi trapaça. – O Guardião mal podia
disfarçar sua vergonha pela derrota.
- Não havia outra maneira. Você deveria saber disso quando
me propôs essa aposta. O desonesto foi você, ao inventar regras impossíveis de
serem cumpridas – falou a Serpente já farta daquela discussão.
- Quando Ele souber, nosso castigo será ainda pior do que o deles.
– balbuciou o Guardião, agora com medo no olhar.
- Não se preocupe. – falou a Serpente com a expressão de
quem estava no domínio da situação. – Eu assumirei toda a responsabilidade. Ele
não ousará castigar seu filho mais belo, a Estrela da Manhã.
O Guardião do Jardim assentiu e se esgueirou para longe
daquela cena, porque o Sol estava prestes a nascer e ele não queria estar por
perto quando tudo viesse à tona.
A Serpente permaneceu ali, observando os amantes enquanto
dormiam. Imaginava como Ele reagiria àquele acontecimento e o que diria a Adão
e Eva por terem desobedecido sua única ordem.
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Quando os primeiros raios de sol da alvorada surgiram no
horizonte, o Senhor do Jardim já se encontrava de pé, imóvel e impassível,
diante da Árvore da Vida e do casal que dormia sob a proteção dos galhos
frondosos.
Adão foi o primeiro a acordar. Levantou-se assustado com a
visão que tinha diante de si.
- Senhor... – foi a única palavra que conseguiu balbuciar.
Sua voz desapareceu assim como sua coragem.
Eva abriu os olhos calmamente, quase como se já estivesse
preparada para o que veria. Sua expressão demonstrava uma despreocupação que
resvalava na arrogância. Ela também se dirigiu ao visitante, mas seu tom foi o
de um cumprimento formal:
- Senhor. – disse ela com um ligeiro movimento de cabeça.
Naquele dia, o Senhor do Jardim tomara a forma de um velho, com
barba e cabelos brancos e longos. Estava vestido de forma simples, com uma
túnica alva de linho e sandálias de tiras. Não havia adornos nem nada que o
identificasse, mas eles sabiam exatamente quem Ele era no momento em que o
viram. Ele costumava adotar formas diferentes sempre que descia ao Jardim e era
a primeira vez que se parecia com um humano.
- Querem me falar sobre o que fizeram? – disse ele numa voz
calma e apaziguadora.
- A Serpente me iludiu – falou Eva, sem se alterar – me
disse que se comesse do fruto nada de mau me aconteceria.
- Então por que você acha que eu proibí que se comesse dessa
Árvore? Teria eu mentido? – Indagou o Senhor do Jardim, com os olhos fixos em
Eva.
- Minha curiosidade foi mais forte do que meu medo –
retorquiu Eva. – Não sei dizer sobre suas intenções.
O olhar Dele começava a incomodá-la e subitamente sua nudez
se tornou desconfortável. Teve vontade de se esconder, mas não sabia como, nem
porque estava sentindo aquilo.
Durante todo o tempo, Adão permaneceu imóvel, apenas
observando o diálogo. Sentia-se uma vítima da sedução de Eva e, ao mesmo tempo,
tinha consciência de que deveria ajudá-la a se explicar, afinal ela não fizera
nada sozinha. Quando, no entanto, pensou em algo para dizer, não houve chance,
porque o Senhor levantou sua mão direita espalmada, pedindo silêncio e atenção.
- Vocês fizeram precisamente o que Eu esperava que fizessem.
Uma expressão de espanto e confusão percorreu os olhos do
casal, que agora estava de mãos dadas, num gesto proteção mútua.
E o Senhor do Jardim, prosseguiu:
- Eu os criei e coloquei aqui nesse Jardim para que se
conhecessem e se tornassem companheiros de jornada. Seu destino não está preso
a este lugar e eu nunca esperei que permanecessem castos. Muito pelo contrário.
Vocês cumpriram sua tarefa muito bem.
A confusão era evidente
na expressão que percorria os rostos de Adão e Eva. Estavam certos de que
seriam punidos por sua desobediência, mas ao que parecia, seriam recompensados.
Adão encontrou discernimento para perguntar:
- O que acontecerá conosco agora?
- Vocês deverão deixar o Jardim e procurar seu próprio
caminho. Haverá dificuldades e todo tipo de perigos nessa jornada, mas também
haverá ótimos motivos pelos quais lutar e perseverar. Certamente encontrarão
mais seres semelhantes a vocês. Alguns serão amistosos, outros hostis. Caberá a
vocês se unirem aos primeiros para que possam se proteger dos demais. Vão e
explorem o mundo, multipliquem-se e evoluam, é tudo que lhes peço.
- O Senhor continuará nos ajudando e protegendo como tem
feito até agora? – perguntou Eva.
- Não – respondeu o Senhor sem emoção na voz. – Minha missão
aqui está cumprida e há outras tarefas que me aguardam. Vocês comeram da Árvore
da Vida e agora têm o conhecimento que precisavam para percorrem sozinhos o seu
caminho. De agora em diante farão suas próprias escolhas e serão responsáveis
por suas vidas. Vão e escrevam sua própria história.
Adão e Eva não disseram uma palavra. Apenas deram as mãos e
partiram sem olhar para trás. Atravessaram o portão do Jardim, passando ao lado
do Guardião, que estava em pé, estático em seu posto de sentinela. Ele os
observou até perdê-los de vista e, em seguida se voltou para o Senhor do
Jardim, indignado:
- Senhor! Por que fez isso? Por que mandá-los para o mundo
exterior? Não percebe que é uma crueldade? Há muitos perigos lá fora.
- Eu entendo sua preocupação, Guardião – disse o Senhor
calmamente. – Mas eles não foram feitos para o conforto da ilusão. Precisam
ganhar o mundo e serem senhores de seus destinos. Foram criados para a
liberdade, não para viver numa gaiola.
Aquele discurso não apaziguou os ânimos do Guardião e ele
prosseguiu em sua revolta:
- A Serpente os enganou. Jamais teriam comido do fruto se
ele não tivesse ludibriado a mulher. O Senhor devia puni-lo.
Nesse momento, a Serpente se aproximou para tomar parte na
conversa. Tinha forma humana, apesar da alcunha que recebera por preferir a
forma de uma cobra quando descia ao Jardim, pois podia espreitar por entre os
galhos das árvores sem ser visto.
- Eu apenas cumpri
minha parte da missão, meu caro Guardião. – disse a Serpente com um sorriso
irônico nos lábios.
A expressão no rosto do Guardião era de espanto e
indignação.
- Eu precisava apressar as coisas. – completou o Senhor. –
Sob a sua proteção paternalista eles jamais ousariam me desobedecer. Então
enviei a Estrela da Manhã para que provocasse neles o desejo pelo conhecimento
que eu negara.
- Mas eu não entendo. – retorquiu o Guardião. – Por que
dizer a eles que o conhecimento era proibido se era isso que esperava que
fizessem? Por que simplesmente não entregou a eles os segredos da Árvore da
Vida?
O Senhor do Jardim sorriu com complacência.
- Era preciso plantar neles o desejo, a vontade, a curiosidade
e a iniciativa. Não os criei para serem dependentes de mim. Criei-os para serem
livres e donos de suas próprias vidas. E para que possam sobreviver e evoluir é
necessário que busquem o conhecimento por si mesmos. Não podem esperar que eu
os proteja e alimente para sempre. Estão por conta própria agora e isso fará
deles fortes e independentes, capazes de qualquer proeza. Basta que acreditem
em sua capacidade.
Sem ter argumentos para prosseguir, o Guardião do Jardim se
limitou a encarar a Serpente com ódio. Aquela Víbora que o Senhor chamava de
Estrela da Manhã o havia feito de idiota.
- Você deverá permanecer aqui e garantir que nenhum humano
encontre este lugar. –disse o Senhor ao Guardião, num tom que não admitia
discordância. – Vou partir e não pretendo voltar. Estrela da Manhã virá comigo.
A Serpente fez uma reverência ao Guardião e se despediu com
um sorriso cínico nos lábios:
- Adeus, meu bom amigo. Perdoe-me se o magoei, mas entenda
que o engodo e a ilusão são meus dons e minha arte, assim como a firmeza e a
rigidez são os seus. Ambos cumprimos nossos papéis nesta grande peça.
O Senhor do Jardim e a Serpente desapareceram no ar da manhã
e o Guardião ficou ali, sozinho com seus pensamentos. Ele cumpriria sua missão
de proteger o Jardim Secreto e, certamente, nenhum homem jamais seria capaz de
encontrá-lo. Porém, o Senhor jamais disse que ele não poderia encontrar os
descendentes de Adão e Eva e até mesmo falar com eles.
EPÍLOGO
O Príncipe do Egito regressava de uma viagem quando parou no
alto de uma colina para apreciar a vista. Sob a sombra de uma árvore ele se
sentou para descansar, beber um pouco d’água e contemplar o por-do-sol
refulgindo nos telhados da cidade onde crescera.
Era uma linda visão e ele permaneceu ali por algum tempo até
que adormeceu, vencido pelo cansaço da longa caminhada.
Em seu descanso sonhou com um homem alto, todo vestido de
branco, com asas de pássaro nas costas e uma espada flamejante. O homem sabia
seu nome e falava com ele, mas o Príncipe não conseguia responder.
- Ouça com atenção o que vou lhe dizer e escreva tudo assim
que acordar. Não perca uma só palavra, pois sou um mensageiro do Senhor. No
princípio...
Incrível cara, você escreve muito bem. Não pare de escrever nunca. Estou no aguardo para mais textos.
ResponderExcluirObrigado pelo elogio, Victor. Escrevo por hobby e não tenho grandes pretensões literárias, mas é ótimo saber que existem pessoas que gostam dos meus textos. Isso me incentiva a aprimorar ainda mais minha escrita. Um grande abraço e obrigado pelo comentário.
ExcluirÉ muito prazerosa a leitura deste texto. É a leitura de um expectador da leitura de um artista das letras. Sob o seu comando, o teclado produziu uma interessante alternativa ao ensinamento bíblico que vale muito a pena ser explorado, letra a letra, levando o leitor à involuntária reflexão comparativa, dando a ele ainda mais elementos para que se posicione perante si mesmo, independente da formação religiosa. Um texto que não agride, nem ilude;que faz tão bom uso dos anseios humanos de viver num mundo sem morte, sem dor, sem frio nem calor; que cumpre a tão importante missão de não ser impositivo, estimulando assim o senso crítico de cada um - faceta humana cada vez mais relegada ao desuso.
ResponderExcluirEu lhe cumprimento alegremente pela qualidade do seu texto e, sobretudo, pela sua dedicação na formação de suas opiniões e conceitos acerca de elementos tão importantes na vida humana.
Finalmente, quero fazê-lo saber que o seu blog é muito bem montado e atraente, com ilustrações que se relacionam proximamente aos temas que representam.
Você tem excelente dinâmica entre criação e domínio tecnológico. O resultado é esta maravilha.
Siga em frente.Nós agradecemos.
Forte abraço!