segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Messias, o Ateu - parte 2

Todos os olhos estavam sobre Messias. Ele era o centro absoluto das atenções naquela pequena sala de uma repartição pública. Muitos artistas, palestrantes e políticos certamente já desejaram ardemente obter aquele nível de concentração de sua platéia. Mas ele nunca quis isso. Messias nunca fez questão de explicar a ninguém os motivos que o levaram a ser quem era, a pensar como pensava, a sentir o que sentia.

Entretanto, não havia volta. Era preciso dar àquelas pessoas algo para saciar suas curiosidades. Ele respirou fundo e então começou a falar sem ser interrompido:


- Eu poderia dar a vocês muitos motivos para não acreditar na existência de Deus, ou de qualquer outra divindade, demônio, espírito, anjo, fada, ou outro tipo de criatura sobrenatural. Poderia falar sobre a ausência de evidências, sobre as incoerências bíblicas, sobre o ônus da prova e muitas outras coisas.

Todos continuavam olhando fixamente para Messias e aquilo já começava a ficar perturbador. Ele prosseguiu falando para tentar se livrar daquela situação o quanto antes.

- Acredito, porém, que a melhor maneira de fazer vocês entenderem seja explicando o Paradoxo de Epicuro.

Nesse momento, Clotilde o interrompeu:

- Eu já ouvi falar disso, mas nunca soube exatamente do que se tratava.

- Pois bem - prosseguiu Messias. - Epicuro foi um filósofo grego a quem se atribui um pensamento lógico sobre a possibilidade de existência de uma divindade com as características do Deus judaico-cristão.

Vendo a expressão de confusão no rosto de alguns dos ouvintes, Messias tentou ser mais claro.

- O que Epicuro fez, foi levantar a hipótese lógica de que as características atribuídas a Deus são auto-excludentes, ou seja, Deus não pode ser tudo que dizem que ele é, ao mesmo tempo.

- Como assim? - Disse um rapaz que era novo na repartição e parecia estar especialmente interessado naquele assunto - Quer dizer que as características de Deus não podem existir ao mesmo tempo?

- Exatamente - afirmou Messias - Segundo a doutrina cristã, Deus é onipotente, onisciente e benevolente, isso quer dizer que ele tem poder absoluto, conhece todas as coisas e é bom. No entanto, essas qualidades não podem existir ao mesmo tempo.

- E porque não? - exclamou Clotilde, já impaciente. - Deus é a maior força do Universo. Ele criou tudo que existe. Pode ser o que quiser.

Messias respirou fundo e tentou prosseguir sem perder o compasso.

- Em primeiro lugar, é preciso entender uma coisa. O conceito de bondade, ou benevolência está ligado à ação. Isso quer dizer, que ninguém é bom somente porque diz ser bom. A benevolência verdadeira está nas ações de solidariedade, caridade, amor, empatia, etc. Portanto, para ser bom, é preciso agir com bondade, correto?

Clotilde e os demais balançaram as cabeças demonstrando que até ali estavam perseguindo o raciocínio com sucesso.

- Muito bem – prosseguiu Messias – Se Deus é onipotente e benevolente, ele tem poder para acabar com toda a maldade do mundo e quer fazer isso, porque é bom, no entanto não o faz. Todos os dias vemos o mal acontecer. Sendo assim, Deus não destrói o mal porque não sabe onde ele está ou onde vai acontecer, portanto não é onisciente. Por outro lado, se Deus for onisciente e benevolente, ele conhece todo o mal, sabe onde está, quando e onde vai acontecer. Ele quer evitar o mal, porque é bondoso, mas não o faz. Portanto, só podemos concluir que ele não tenha poder para destruir todo o mal que existe, por isso não é onipotente.

A essa altura, alguns olhos já estavam arregalados e algumas bocas estavam torcidas em desaprovação, mas Messias não se importou e continuou firme em sua tarefa. Talvez, depois dessa conversa, não lhe restasse nenhum amigo na repartição, mas ele não sabia dizer se isso seria uma coisa ruim.

- Por fim, meus amigos, Se Deus for onipotente e onisciente, como a religião diz que é, ele tem poder para extinguir todo o mal e sabe onde está essa maldade, no entanto, nada faz, porque todos os dias vemos a maldade no mundo. Guerras, fome, crianças abusadas, estupros, velhos doentes abandonados, injustiças, exploração. É só olhar para o lado e veremos muitos exemplos da maldade que se alastra pelo mundo. Por isso, se Deus tem poder para acabar com tudo isso e sabe como fazer, ele não pode ser bondoso, porque assiste a tudo sem agir e isso jamais poderá ser chamado de benevolência.

Após uma pausa prolongada, em que as pessoas pareciam estar tentando digerir aquelas informações, Aristeu, o funcionário mais antigo da repartição, fez questão de intervir.

- Deus não acaba com a maldade do mundo porque não é papel dele fazer isso. Ele nos dotou de livre-arbítrio, portanto somos nós os culpados por tudo de ruim que existe. Deus não é apenas bondoso, Ele é justo!

Um brilho fugaz iluminou os olhos de Messias e um sorriso discreto surgiu no canto de sua boca.

- Eu tinha certeza que alguém falaria isso.

--xx-- Conclui no próximo post --xx--

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